segunda-feira, 25 de junho de 2007

0.1 - Minha familia

Fui criança em um lar, onde havia muita violência doméstica, tanto por parte de meu pai como de minha mãe. Ambos tomados pelo ciúme e por envolvimento com o maligno, viviam em um verdadeiro "pé de guerra", são pouquíssimos os momentos que guardo em minha memória onde não houve um dia sequer sem nenhuma briga. Em muitos lares a principal causa de violência domestica é o álcool ou outros tipos de drogas, na minha casa ninguém bebia e nem se drogavam, o que havia era muita intolerância, ciúmes e desconfianças. Era comum estarmos sentados a mesa do café, para irmos à escola, eu e meu irmão, enquanto nossos pais se armavam de faca, gargalo de garrafa e o estivesse à mão na tentativa de um ferir o outro, e muitas vezes conseguiam... Eu como filha mais velha, quando observava que a briga ia começar, pegava meus irmãos e os carregava para meu quarto, para ficarmos lá em segurança... Fiz isso incontáveis vezes!!!


Meu padrinho de batismo, hoje já falescido, era Padre e todos os anos ele costumava me dar de presente um livro de orações para crianças. Eu na minha inocência, quando as brigas estavam feias demais e o derramamento de sangue em casa estava também demais, pegava meu livrinho de orações e começava a ler desesperadamente, com meu coração aflito de medo de perder meus pais, passei minha infância com medo que um deles terminasse morto e o outro preso. Certa vez, já estava com uns 09 anos de idade, quando ocorreu uma das brigas mais feias que já presenciei, e não suportando mais o choro de meus irmãos com medo daquilo tudo, fechei meu livrinho que guardava estrategicamente debaixo do meu colchão, e disse para Deus:


"Se tu existes de verdade, eu não preciso ler estas orações; Se tu existes de verdade tu vês as brigas de meus pais; Se tu existes de verdade tu vais aparecer pra mim, falar comigo, me defender e defender meus irmãos; Senhor se tu existes mesmo como a igreja diz, tu vais acabar com toda esta confusão e todas estas brigas"

Falei estas mesmas coisas pra Deus muitas vezes, inúmeras vezes, na realidade não lembro quantas vezes falei isso de joelhos no meu quarto agarrada aos meus irmãos que só choravam, pq tb eram bebes...

O tempo passou e a gente acaba acostumando com o sofrimento, e até achando que ele é normal, quando isso acontece há um risco muito grande de ter os sentimentos e a alma entorpecidos pela dor, já perdemos a noção do realmente nos fere ou não. E dai para deixar tb de saber o que é realmente certo e errado é um passo só diante disso. Bom, isso não aconteceu conosco, pq graças ao Bom Deus estudávamos em colégio religioso e as irmãs nos ouviam, a direção do colégio sabia da luta que havia em casa, pq muitas vezes não conseguíamos fazer provas devido estarmos com o sistema nervoso abalado, então tivemos muito carinho das irmãs e orientação moral.


Chegou o tempo de minha primeira comunhão, com 11 anos de idade, a missa era pela manhã, e eu havia me preparado para aquele dia durante meses. Mas como era de se esperar, eles iniciaram o dia já brigando e se batendo, e fomos para a igreja do colégio assim, com um revolver carregado dentro do carro, meu pai ameaçando de morte minha mãe e ela dizendo a ele "mata, mata, mata logo", e eu e meus irmãos no banco de trás do carro com medo. Chegamos à igreja do colégio em que estudávamos e a cerimônia começou, e eles não pararam de brigar mesmo dentro da igreja, até que uma das irmãs chamou a atenção dos 02 ameaçando de colocá-los para fora pq estavam atrapalhando a cerimônia, só então eles se calaram.


A cerimônia seguiu como deveria, mas derrepente o padre quebrou o protocolo dela para fazer algo inesperado, ele deu a cada criança que estava fazendo sua primeira comunhão uma caneta e um quadrado de papel e disse "escrevam neste papel o que vcs mais desejam que Deus faça por vcs e eu me comprometo em orar pelo pedido de cada um de vcs". Lembro-me até hoje o que escrevi naquele pequeno pedaço de papel, meu pedido para o Senhor foi: "Deus separa meus pais". Em menos de 01 ano após isso eles estavam separados, mas infelizmente ainda brigando, só que não mais se machucando, agora a briga era judicial.


O que quero contar com esta história é que Deus já estava me ouvindo, me protegendo e me atendendo. Sei que o Senhor é totalmente pró-familia, sei que Ele deve ter tentado uni-los muitas vezes, mas quando a união de um casal pode destruir mais vidas do que simplesmente as 02 vidas envolvidas, creio eu que Deus separa sim. Apesar de ser uma criança naquela época, eu já pensava em morrer e desaparecer, imaginava que poderia um dia fugir dali e levar meus irmãos comigo, imaginava que podia tomar algo que me fizesse morrer, mas como criança nem sabia o que tomaria, muita coisa passa na cabeça de uma criança encurralada em sua própria casa pela violência doméstica.


Hoje vejo que em cada briga que aconteceu, Deus esteve lá, presente, junto de mim e de meus irmãos. Ficamos com seqüelas? Sim ficamos, eu detesto violência!!! Mas o Senhor estava ali fortalecendo pq somente graças a Ele, eu posso dizer que sobrevivi.



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